Este texto é uma opinião pessoal. Não representa o ponto de vista de nenhum órgão do Clube nem foi discutido previamente com qualquer sócio. Digo isto, não porque o tema seja polémico, que não é, mas porque não tem sido habitual a publicação de artigos de opinião neste blogue.
Marinheiro do mar alto
Olha as ondas uma a uma
Preparando o teu assalto
Entre montes de alva espuma
Da nossa janela virada para a amizade, não vimos essas ondas do mar alto, nem percebemos que elas iam fazer o António Silva naufragar. Tivéssemos percebido, talvez pudéssemos ter feito mais qualquer coisa por ele, quem sabe.. Ficámos assim sem ele, cedo de mais. E temos saudades.
Aquele Silva que todos conhecemos trazia alguns bem enganados. Por ser um homem simples, de trato directo, de sorriso pronto, gargalhada aberta, piada sempre engatilhada, visto dia a dia no clube a tratar informalmente de todos os assuntos sem se dar ares de coisa nenhuma, levava algumas pessoas, mais prontas a ser iludidas pelas aparências, a confundir ser importante com fazer-se importante.
António Joaquim da Silva, primeiro sargento jubilado da Marinha, foi na verdade um homem muito importante aqui na Charneca e na Margem Sul. No movimento associativo, mas também no Poder Local e na actividade política. Por isso a Assembleia Municipal de Almada lhe prestou uma sentida homenagem, em plenário do dia 14 de Novembro, com um voto de pesar aprovado por unanimidade que manifesta "reconhecimento e gratidão pela sua ação de solidariedade e o seu empenho nas causas e valores do movimento associativo popular" e vários importantes autarcas de quem era amigo tomaram nessa altura a palavra para se associarem à homenagem..
Para recordar, António Silva pertenceu aos Corpos gerentes da CURPIC (Comissão Unitária dos Reformados, Pensionistas e Idosos da Charneca), foi presidente da AMAR (Associação de Moradores da Aroeira) e finalmente foi presidente, por dois mandatos, do Vitória Clube das Quintinhas. Em todos estes "tachos" não recebeu, é claro, qualquer benesse, antes demonstrou sempre disponibilidade para oferecer o seu trabalho e colocar-se ao serviço da Comunidade.
Ninguém é insubstituível, dizem certas cabeças ocas, talvez doutrinadas em manuais de gestão norte-americanos e carentes de valores humanistas. Na verdade, ninguém é substituível. Cada ser humano é único. Cada pessoa marca o mundo de forma peculiar. Os que são tocados por essa pessoa guardam o seu gosto próprio, saboreiam, mesmo depois dela passar, as memórias e os sentimentos que inspirou, bem como os resultados do que conseguiu.
A vida associativa é que não pode parar e é preciso encontrar novos braços para segurar nos remos e substituir os que claudicam. Mas nunca é aceitável punir o valor com o esquecimento.
Agora temos outro marinheiro (provisoriamente) a dirigir o clube, outro homem generoso no esforço e na dedicação e parco na vaidade, o Monteiro, junto com uma mão cheia de pessoas de valor. Parece que não se a estão a dar mal. Muita saúde e coragem é o que lhes desejo, amigos!
— oOo —
O Silva foi também um militante comunista incansável. O seu carro estava sempre cheio de "Avantes!", panfletos, cartazes, cola... A presente louca orgia de capitalismo neoliberal e de miséria popular deprimiram-no e desanimaram-no, mas nunca deixou de ter esperança de que algum dia o equilíbrio vai modificar-se e um futuro melhor poderá sorrir aos oprimidos. Sabia que não seria para ele tal recompensa, mas não deixou de trabalhar e lutar por ela.
Isto dito, nunca foi comunista dentro do clube.
Ninguém dá nada a ninguém é outra frase impensada que se ouve hoje em dia. Talvez tal ideia convenha a gente mesquinha e egoísta, para justificar a sua pequenez moral, mas a verdade é que sem cidadãos generosos dispostos a sacrificar-se e a lutar pelo bem comum, a sociedade humana não seria sequer viável. Confunde-se muita vez aquilo que não é pago com o que não tem valor, mas a verdade é que as coisas verdadeiramente valiosas não têm preço.
Coisas como a vida do Silva, dedicada à sua comunidade.
Pessoalmente não acredito na vida depois da morte, por isso não imagino o meu amigo Silva numa dimensão qualquer a ser afectado pelo que dizemos dele, mas ele está bem vivo nas nossas memórias, na nossa saudade e na obra louvável que deixou.
Um dia destes, terá que haver aqui na Charneca uma Rua António Silva.
Grande homem, homenagem justa. Paz á sua alma!
ResponderEliminarComo ele á poucos.