sábado, 14 de dezembro de 2013

Marinheiro do mar alto

Este texto é uma opinião pessoal. Não representa o ponto de vista de nenhum órgão do Clube nem foi discutido previamente com qualquer sócio. Digo isto, não porque o tema seja polémico, que não é, mas porque não tem sido habitual a publicação de artigos de opinião neste blogue.

Marinheiro do mar alto
Olha as ondas uma a uma
Preparando o teu assalto
Entre montes de alva espuma

Da nossa janela virada para a amizade, não vimos essas ondas do mar alto, nem percebemos que elas iam fazer o António Silva naufragar. Tivéssemos percebido, talvez pudéssemos ter feito mais qualquer coisa por ele, quem sabe.. Ficámos assim sem ele, cedo de mais. E temos saudades.

António Silva
Aquele Silva que todos conhecemos trazia alguns bem enganados. Por ser um homem simples, de trato directo, de sorriso pronto, gargalhada aberta, piada sempre engatilhada, visto dia a dia no clube a tratar informalmente de todos os assuntos sem se dar ares de coisa nenhuma, levava algumas pessoas, mais prontas a ser iludidas pelas aparências, a confundir ser importante com fazer-se importante.

António Joaquim da Silva, primeiro sargento jubilado da Marinha, foi na verdade um homem muito importante aqui na Charneca e na Margem Sul. No movimento associativo, mas também no Poder Local e na actividade política. Por isso a Assembleia Municipal de Almada lhe prestou uma sentida homenagem, em plenário do dia 14 de Novembro, com um voto de pesar aprovado por unanimidade que manifesta "reconhecimento e gratidão pela sua ação de solidariedade e o seu empenho nas causas e valores do movimento associativo popular" e vários importantes autarcas de quem era amigo tomaram nessa altura a palavra para se associarem à homenagem..

Para recordar, António Silva pertenceu aos Corpos gerentes da CURPIC (Comissão Unitária dos Reformados, Pensionistas e Idosos da Charneca), foi presidente da AMAR (Associação de Moradores da Aroeira) e finalmente foi presidente, por dois mandatos, do Vitória Clube das Quintinhas. Em todos estes "tachos" não recebeu, é claro, qualquer benesse, antes demonstrou sempre disponibilidade para oferecer o seu trabalho e colocar-se ao serviço da Comunidade. 

Ninguém é insubstituível, dizem certas cabeças ocas, talvez doutrinadas em manuais de gestão norte-americanos e carentes de valores humanistas. Na verdade, ninguém é substituível. Cada ser humano é único. Cada pessoa marca o mundo de forma peculiar. Os que são tocados por essa pessoa guardam o seu gosto próprio, saboreiam, mesmo depois dela passar, as memórias e os sentimentos que inspirou, bem como os resultados do que conseguiu.

A vida associativa é que não pode parar e é preciso encontrar novos braços para segurar nos remos e substituir os que claudicam. Mas nunca é aceitável punir o valor com o esquecimento.

Agora temos outro marinheiro (provisoriamente) a dirigir o clube, outro homem generoso no esforço e na dedicação e parco na vaidade, o Monteiro, junto com uma mão cheia de pessoas de valor. Parece que não se  a estão a dar mal. Muita saúde e coragem é o que lhes desejo, amigos!

— oOo —

O Silva foi também um militante comunista incansável. O seu carro estava sempre cheio de "Avantes!", panfletos, cartazes, cola... A presente louca orgia de capitalismo neoliberal e de miséria popular deprimiram-no e desanimaram-no, mas nunca deixou de ter esperança de que algum dia o equilíbrio vai modificar-se e um futuro melhor poderá sorrir aos oprimidos. Sabia que não seria para ele tal recompensa, mas não deixou de trabalhar e lutar por ela. 

Isto dito, nunca foi comunista dentro do clube. 

Ninguém dá nada a ninguém é outra frase impensada que se ouve hoje em dia. Talvez tal ideia convenha a gente mesquinha e egoísta, para justificar a sua pequenez moral, mas a verdade é que sem cidadãos generosos dispostos a sacrificar-se e a lutar pelo bem comum, a sociedade humana não seria sequer viável. Confunde-se muita vez aquilo que não é pago com o que não tem valor, mas a verdade é que as coisas verdadeiramente valiosas não têm preço. 

Coisas como a vida do Silva, dedicada à sua comunidade. 

Pessoalmente não acredito na vida depois da morte, por isso não imagino o meu amigo Silva numa dimensão qualquer a ser afectado pelo que dizemos dele, mas ele está bem vivo nas nossas memórias, na nossa saudade e na obra louvável que deixou. 

Um dia destes, terá que haver aqui na Charneca uma Rua António Silva.

1 comentário:

O seu comentário será publicado após ser visto pela administração do blogue.